sexta-feira, 8 de abril de 2011
“Ultimamente, dei para falar sozinho. Não falo baixinho não, falo sozinho mesmo, principalmente à noite, deitado na cama e tentando entender o que se passa comigo. Falo alto e chego a ficar com medo. Medo de quê? Medo de entender quem fala com quem, quando falo sozinho. Eu falo e ouço ao mesmo tempo. Mas, quem ouve o que eu falo? Por exemplo, se eu disser no escuro do meu quarto: ‘Onde eu errei naquele amor?’. Tenho medo de que alguém me responda na sala ao lado, de dentro do banheiro vazio, onde pinga o chuveiro e a privada gorgoleja. Uma coisa que me intriga é a forma de falar sozinho; devo falar com todos os ‘ss’ e ‘rs’, ou posso falar desleixadamente, pois afinal de contas eu sei o que estou falando? Aliás, nem preciso falar alto. Basta pensar entre resmungos, gemidos e risos abafados; mas, aí me assalta outro medo: há dentro de mim uma terceira pessoa ouvindo o diálogo de mim comigo mesmo? Mas não resisto aos clamores da norma culta e tento falar com alguma qualidade literária para mim mesmo. Assim, aumenta minha angústia. Uma pessoa fala – que sou eu –, outra pessoa ouve – que sou eu –, e uma terceira pessoa julga a qualidade do meu discurso, que também sou eu. Estarei maluco?”
Trecho do artigo O homem-bomba matou o ‘eu’, de Arnaldo Jabor
Trecho do artigo O homem-bomba matou o ‘eu’, de Arnaldo Jabor
“Os homens não amam aquilo que cuidam que amam. Por quê? Ou porque o que amam não é o que cuidam; ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidais que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade; cuidais que amais perfeições angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo, os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as coisas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, e não é, não o há no mundo.”
Trecho do Sermão do Mandato, de Padre Antônio Vieira
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